quarta-feira, 2 de maio de 2012

1º de Maio: de trabalhadores escravizados a colaboradores


Artigo de minha autoria publicado no Jornal O'Dia, no Piauí, no dia 1º de Maio de 2012

Estão correndo, apressados, apertados em transportes coletivos, acordam cedo, sentem o cansaço físico, engolem sapos, esperam novas possibilidades, desistem de tudo, recomeçam, divertem-se, choram, servem o cafézinho, colhem o café, batem com a picareta, cuidam da casa e dos filhos alheios, aprendem, fazem acontecer, assumem responsabilidades, embriagam-se, se desesperam, econtram saídas, descansam, sonham com uma vida melhor, sentem pré-conceitos, mantêem a cabeça calma em um mundo difícil, um mundo que é deles, feito por eles... Os Trabalhadores - que param talvez  neste dia, para descansar, ficar com a família, entrar na fila do pão, ou quem sabe transformar o mundo pela ação silenciosa e direta do cotidiano.
O 1º de Maio tem uma origem controversa entre os historiadores, de modo concreto que no Brasil, esta data tem uma particularidade ao conjunto de datas da “memória nacional”. Contrapondo-se a idealizações de figuras heróicas, grandes feitos governamentais, grandes monumentos, esta data é bem pequenina, tão pequena em certo sentido, que em um sentido moral se torna uma manifestação cultural de alto perigo para alguns, e que por isso, ao longo da História do Brasil, o 1º de Maio e os trabalhadores e trabalhadoras, foram alvos de investidas de um tal poder, que visava forjar uma identidade da classe trabalhadora que fosse adequada a seus interesses. A compreensão da formação plural, orgânica, e também como já citada, mecânica do formar-se dessa identidade de classe no Brasil, é de importancia central para acrescentarmos mais alguns sentidos a esta data tão especial.
Nos tempos da Colônia e posteriormente do Império, a grande mão de obra era escravizada. Sim, a maioria dos trabalhos eram realizados por negros, que sofriam pra muito além de uma violência física, uma violência psicológica. Entretanto o que a memória nacional pouco exalta, pouco fala, é de um conceito historiográfico chamado; resistência. Aliás, até se fala e se propaga essa idéia de resistência, entretanto como algo fraco, pouco capaz de realizar efeitos maiores, assim se esquece de que para que houvesse o fim do trabalho escravo, fora necessário essa resistências tratadas com menor importância pelo poder da época, que preferiu usar a retórica legitimadora da Princesa Isabel.
No império, além de trabalhadores escravizados, já havia uma configuração maior de trabalhadores livres, estes trabalhadores segundo o Historiador Cláudio Batalha eram proibidos pelo Império de se associar em sindicatos. Porém os trabalhadores não deixavam de se organizar em clubes, associações de classe, entre outras formas de entidades que não um sindicato- no entanto com uma discussão social e política. Nos anos próximos ao fim da escravidão, foi percebido por uma historiografia bem recente uma certa proximidade de lutas sociais entre trabalhadores livres e escravizados, é o que propõe o Historiador Marcelo Badaró Mattos.
No advento da República, da 1º República, os operários passam a se organizar em sindicatos, clubes, associações mutualistas, entidades que visavam lutas de classe, lutas por sobrevivência, lutas por condições dignas de trabalho, fim do trabalho infantil, liberdade política entre muitas outras coisas. Aqui na 1º República, o estado tratava a questão operária principamente em duas vertentes; a do cinismo, das promessas fáceis, da demagogia da caridade insuficiente, e do apoio tímido na melhoria de vida dos operários, esta 1º característica fora marcante principalmente no Piauí dessa época. A outra característica era a repressão, repressão a cultura operária, vigilancia nas festas do 1º de Maio, leis para deportação de operários com perfis políticos perigosos, leia-se anarquistas. Uma legislação social fortemente engajada na repressão não somente política, mas social e cultural também- no Piauí por exemplo, mais especificamente em Teresina, havia todo um conjunto de código de posturas municipais opressor aos operários, como o caso de não ser permitido a caça, e nem tampouco a venda de facas a “pessoas estranhas”. Com salários minúsculos, e ainda sem poder caçar para sustentar a família, os operários sentiam a dificuldade daquele mundo, mas mesmo assim não deixavam de lutar, de se organizar, de realizarem ataques as classes dominantes via imprensa operária, por meio de greves também, estas aliás garantidoras de muito dos direitos conquistados pelos operários ao longo da História.
Com a chegada do Estado Novo, é novamente impetrado aos operários uma forte retórica legitimadora de tendência ao esqucimento do passado de lutas, greves, a atuação política dos operários. Agora pelas ondas da rádio, pelo controle dos jornais, virá a tona a figura do trabalhador brasileiro, um soldado do progresso segundo Adalberto Paranhos. Neste momento cria-se pelo Estado algo que Angela Maria de Castro Gomes chama de “invenção do trabalhismo”, uma corrente político-filosófica que vem junto com o mito da “doação” dos direitos trabalhistas, conquistados por muita luta, porém “doados” segundo o  Estado de Getúlio Vargas, e que fique registrado direitos válidos somente ao trabalhador urbano, minoria no período. Nesse período embora fosse um governo autoritário de controle dos sindicatos, e momento de forte investida na questão política no meio dos trabalhadores, segundo o Historiador Jorge Ferreira, houve sim uma grande atuação social dos trabalhadores e uma militância política, não havendo somente opressão estatal, tanto que no breve período anterior ao golpe civil-militar havia reflexos de tal organização, onde os trabalhadores influenciavam massissamente os rumos da política nacional. Quem sabe por isso quando se deflagrou o golpe, os trabalhadores não são mais questões de polícia como na primeira República, e nem questão de política como em Vargas, mas agora na Ditadura civil-militar uma questão de segurança nacional.
De 1964 a 1966 foram os anos mais truculentos do regime civil-militar em combate aos trabalhadores que por ventura quisessem lutar por seus direitos. Arrocho salarial, em nome de um certo crescimento econômico, em 1965 decretou-se o fim do direito a greve. Esse período acaba com uma hegemonia existente entre as correntes políticas do movimento dos trabalhadores, os trabalhadores proibidos de se organizarem necessitam passar por um período de reoorganização, que vai segundo Celso Frederico de 1966 a 1968, neste período uma imprensa operária clandestina é essencial para os trabalhadores, e a construção de seus respectivos projetos políticos, e lutas sociais.
Passado esse período de fortes perseguições, assassinatos, torturas aos trabalhadores, chegamos ao final da ditadura unida ao período de redemocratização, é nesse período que surgem as greves dos cortadores de cana do Pernambuco, as marchas por liberdade, as organizações sindicais aumentam de forma surpreendente, as greves do ABC Paulista. Toda essa ebulição marcada ainda por forte repressão, ajuda a começar a construção de uma democracia no Brasil, bem como a consolidação de leis trabalhistas, estabelecidas da constituição devido á fortes mobilizações da classe trabalhista.
Hoje devido a novos rumos da Administração, e dos Recursos Humanos, os trabalhadores são chamados de colaboradores.Nome este que representa respeito, medo, ou uma tentativa de desmobilização frente uma agenda neo-liberal, que cada vez mais em nome do mercado tenta suprimir o direito dos trabalhadores? Para além de comemorar e festejar com os amigos, esta data deve ser lugar de reflexão. Qual o papel do trabalhador ou colaborador hoje? Essa resposta eu deixo para o querido leitor.

Leôndidas Freire S. Júnior é estudante de História na UFPI