sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Os Operários da Primeira República em Teresina, andaram de Bonde?


Twitter; @leofreirejr

Neste clima interessante e empolgante das manifestações do #contraoaumento em Teresina, resolvi fuçar os baús esquecidos da nossa História, com o intuito de entender se essa mentalidade de desrespeito aos trabalhadores com passagens altíssimas, é de hoje, ou se tal prática já acontecia há muito tempo atrás, por exemplo na primeira República. Este artigo, diferentemente de uma tendenciazinha historiograficazinha nova, que recorta o recorte do recorte, também compõe uma série de outras coisas. Vejamos.
Lembro de alguns momentos junto a minha família em frente a TV, assistindo as telenovelas, algo muito comum, costume peculiar entre nós brasileiros, e recordo também que sempre ao avisar uma nova novela, quando tratava-se de uma de época, era visível a satisfação, e a ansiedade para que começasse logo, e se fosse uma novela de época que tivesse aqueles bondes que nos lembram o Rio de Janeiro, ou São Paulo, aqueles com trilhos de metal pregados no chão, e linhas de cabo de aço por cima as vezes, a empolgação era maior...
O entusiasmo de ver o trabalhador que pegava o bonde, sonhando com a amada, com uma vida melhor, ou o casal de apaixonados,onde o jovem mancebo obrigado pelo andar do horário, ir embora, e sua amada ficava a acenar com um lenço que quase sempre era branco, chorando e as vezes rindo para o seu amado. Tudo isso provocava curiosidade, conversas, trocas de saberes entre os membros de minha família, e daí vinham as imaginações de como era no período, e eu sempre tinha ( e ainda tenho) a vontade de voltar no tempo, pra experimentar, pra saber como era aquilo, pra viver aquela magia, talvez esse sentimento traduza a magia de muitas pessoas com relação as coisas antigas. Mas a nossa questão central neste texto, se é que ela exista, a da existência ou não do bonde, e sobre a possibilidade dos trabalhadores terem andado neles. Vejamos...
Sim! Embora a nossa história até o momento não tenha dito de forma mais acentuada, houve sim operários em Teresina na primeira república, e quanto ao bonde, uma história engraçada... 
Começa mais ou menos assim. Um dia, em um evento de ensino de História, na Universidade Federal do Piauí, uma professora do Rio de Janeiro no seu mini-curso quis exemplificar algo que não me recordo, e assim falou sobre o bonde da primeira República no Rio de Janeiro, aqueles famosos e românticos bondes que passam nas novelas de época como já citadas. E então rapidamente ela perguntou; "Houve em Teresina um Bonde?" Por alguns momentos de segundos que me pareceram eternos, um silêncio na sala, logo depois uns “Nãos” meio com dúvidas, e uns olhares atravessados de canto a canto, buscando alguém, engolindo uma saliva seca, passei a língua nos lábios e foi quando decidi intervir. "_Sim! Teve sim, um bonde em Teresina." Uma afirmativa categórica e rápida, baseada em alguns jornais da primeira República, pouquíssimos jornais Piauienses, diga-se de passagem, nem devem mais estarem a disposição no arquivo público - baseado também, em uma entrevista com José Pereira Chaves (Zé pequeno), para a fundação CEPRO, que foi entrevistado por Geraldo Almeida Borges, mais precisamente em 25 de julho de 1984. Bem, com essas fontes e com mais riqueza de detalhes na segunda fala com um pouco a mais de saliva, afirmei que sim, que sabia da existência deste bonde, mas lembrei-me da idéia do início deste texto, lembrei que existe tanta admiração, um verdadeiro fascínio por coisas “velhas”, por tempos antigos, coisas desconhecidas, um verdadeiro encantamento, e me questionei... Fiquei com um questionamento chato na minha mente, querendo saber o motivo pelo qual não temos um bonde, ou melhor não temos conhecimento de um bonde, não temos vestígios materiais deste bonde...
Fui atrás de  mais detalhes ao menos para publicizar tais memórias esquecidas, e descobri, que segundo José Pereira Chaves, o Zé pequeno, que em 1928 ele e uns amigos, deram uma volta de bonde, para a prestação de um serviço eleitoral e passaram por toda a única linha do bonde, pela rua Campos Sales que era o início de seu terminal, um bonde de “ carroceria e tal, era do tipo desses transportes que fazem linha para fora do estado. Andava em cima de trilho” disse Zé Pequeno, passava pela “rua Riachuelo”, pela antiga Escola Normal (Atual Prefeitura da Cidade), e parava onde hoje é o Banco do Nordeste, (que hoje com tanta modernização não sei mais nem dizer se existe, pois essa entrevista é da década de 80), pois bem estava completado o trajeto, e nisso Zé Pequeno trabalhador do telégrafo pagou a passagem, na época 200 réis. 
Fazendo as contas com as informações de que as operárias, e os operários da fiação ganhavam 12 mil réis por mês, o que dava em torno de 300 réis por semana, contando com a alimentação, o vestuário, e muitos outros gastos, e levando em conta que mesmo desprezando as despesas, a passagem ainda sim custaria 2/3 do salário de uma semana de trabalho, e sem contar que as operárias chegavam a trabalhar as vezes 16 horas por dia, sem lhes sobrar tempo para um passeio nem sequer a pé... É definitivamente, os operários não andavam de bonde, e se andassem ficariam muito endividados (Qualquer semelhança com os atuais preços das passagens em Teresina, e as condições de trabalho, não são meras coincidências).
Resolvida esta minha indagação, pensei em escrever e publicar com intuito de dividir minha angústia com vocês, possíveis leitores.
Por que não temos uma política séria de preservação do patrimônio histórico e da memória do povo do Piauí? Até onde esse projeto descabido de modernização, que abandona casarões históricos no centro, que derruba prédios antigos para transformarem em estacionamentos. Até onde isso vai? Até onde a nossa história estará tão isenta de documentação (abandono do arquivo público do Piauí) que não poderemos mais sequer entender as lutas, a coragem, e o sofrimento do nosso povo? Se é que alguns irmãos de profissão querem entender tais coisas.
Fico pensando(Aliás este é o nome do Blog), em um tempo em que o pessoal (os que podiam) usavam, os homens, ternos com gravatas e chapéus, as mulheres de elite com seus vestidos, muitos exemplares de uma decência emanada do código social da época, e enquanto as pipiras (nome dado as operárias) e os trabalhadores, empiricamente não tinham essas regalias todas, mas pra onde isso vai... O que será que ficará para nós? Será uma boa atitude virar as costas para o nosso passado?
É por essas questões, por momentos de descontração com a família (pelo arrebatamento estético que as coisas do passado podem trazer), por momentos de conscientização política(palavra complicada né?), a respeito dos sujeitos da nossa história e de como chegamos a vir a ser o que somos, e que desde lá de trás as coisas não eram tão boas para os que trabalhavam honestamente... É por isso que brado; A História do Piauí, precisa urgentemente ser salva do esquecimento, tanto o Arquivo Público, quanto as poucas construções históricas que ainda nos restam, antes que estejamos sufocados por inovações, e sem saber de onde vínhamos, e para onde vamos, ou melhor aonde querem alguns nos levar.